domingo, 22 de agosto de 2010

Hermenêutica e aplicação do direito - Carlos Maximiliano Parte 5

Apesar de destacar que ‘a interpretação é uma só’, Carlos Maximiliano divide-a conforme o órgão de que procede, para fins de melhor aplicação, em interpretação autêntica, que se origina em uma fonte jurídica, tendo então força coativa; e em interpretação doutrinal, aquela que se apresenta como um produto da livre indagação. Continua dissertando acerca dos processos interpretativos: gramatical, ou melhor, filológico; e o lógico, subdividido este em lógico propriamente dito, e social, ou sociológico. Tal posicionamento se revela bem atinente às idéias de Schleiermacher e de Dilthey, que entende a Hermenêutica como um corpo geral de princípios metodológicos que subjazem à interpretação. A Hermenêutica, contudo, ‘não serve como metodologia ou como auxiliar de metodologias dos estudos humanísticos’. Ela vai bem mais além do que isso. A Hermenêutica bem pode ocorrer na prática por remover os obstáculos em relação à compreensão da palavra evento. O foco maior, porém, não é esse, mas sim a interconexão da linguagem com o pensamento e com a realidade, a preocupação com o homem na sua cotidianialidade. 
Conforme Maximiliano, supõe-se que na lei, repositório, tratado ou sistema jurídico não existem disposições contraditórias sobre o mesmo objeto. Quando o intérprete descobrir alguma contradição, deve se inspirar em alguns preceitos diretores doutrinários, como por exemplo, quando há um antinomia entre uma regra geral e uma específica, esta tem a supremacia; ou então quando uma regra é principal e a outra acessória, prevalece a principal.
Temos aí mais uma sequência de procedimentos para aplicar um dispositivo. Tais métodos possuem na maioria das vezes algum brocardo jurídico como correspondente. Por exemplo: “in toto jure generi per speciem derogatur, et illud potissimum habetur quod ad speciem directum est – em toda disposição do Direito, o gênero é derrogado pela espécie, e considera-se de importância preponderante o que respeita diretamente à espécie” (p. 111).
Afirmações doutrinárias, contudo, não devem ser acatadas imediatamente, sem nenhuma análise, pois o dogma é um verdadeiro opressor do conhecimento, da compreensão e da aplicação da justiça. O que se foi perpetuando como certo há séculos, hodiernamente pode não ter a mesma conotação, até porque a sociedade não se estagnou, muito menos o Direito. Limitar-se a seguir fórmulas e padrões para resolver conflitos é uma maneira infrutífera de solucionar os mesmos.  Dogmatiza-se a mente do indivíduo de tal forma que sobrevindo um caso que se distoe bastante dos demais, o intérprete não conseguirá desempenhar adequadamente o seu papel. A atividade do intérprete não deve ser simplesmente a mera repetição do que foi convencionado por alguém em um determinado contexto. Por mais que em muito se assemelhem as situações, cada caso concreto é diferente. Não seria justa uma análise superficial do mesmo como se este fosse igual a outro. Ao intérprete cabe empregar a compreensão no fenômeno da vida. E a esta é com certeza algo bem particular de cada ser humano, insuscetível de generalizações dogmáticas. Ressalta-se, contudo, que não se pode também condenar todo tipo de tradição, como se esta pudesse ser considerada uma folha passível de ser rasgada do livro da vida, pois a tradição, querendo ou não, faz parte de todo nosso contexto histórico, nos influencia na nossa pré-compreensão, nos nossos pré-conceitos. Deve-se levá-la em conta, desde que de maneira consciente, com espírito de compreensão e não de alienação e descomprometimento com a dinamicidade da vida.
Quando lidamos diretamente com a interpretação no Direito, devem ser considerados vários elementos que auxiliam o intérprete e ao mesmo tempo influenciam na sua compreensão. A saber: o elemento histórico, o teológico, os fatores sociais, a apreciação do resultado, a equidade, a jurisprudência, o costume, a ciência, analogia, os diversos tipos de leis, os brocardos e os princípios gerais do Direito.
Quanto ao elemento histórico é importante salientar a sua importância no nosso estudo. Acertadamente o autor apregoa que “o Direito não se inventa; é um produto lento da evolução, adaptado ao meio; com acompanhar o desenvolvimento desta, descobrir a origem e as transformações históricas de um instituto, obtém-se alguma luz para o compreender bem”. O elemento histórico, no entanto, não deve ser utilizado excessivamente, como se ele, sozinho, fosse infalível na resolução de todos os conflitos da humanidade. Bem como, ele também não deve ser repudiado. Seria o presente uma mera repetição do passado? Muitos defendem que sim, haja vista que muitos dos erros que o homem comete hoje são os mesmos que se cometeram no passado e que certamente serão cometidos futuramente. Por outro lado, o homem é um ser racional, dotado de discernimento e de capacidade para fazer suas próprias escolhas. Seria um posicionamento muito conformista colocar o homem como um ser inerte, incapaz de realizar transformações concretas. A história não é um simples desencadear de fatos repetitivos. Por isso que não se pode tê-la unicamente como foco. O presente é um leque repleto de possibilidades. Quando o hermeneuta se depara então com os Materiais Legislativos, deve ter em mente que “o legislador é um filho do seu tempo; fala a linguagem do seu século, e assim deve ser encarado e compreendido” (p. 113). Porém deve lembra-se de que a lei não deve ser interpretada simplesmente como se fosse a vontade exclusiva do legislador. 

Um comentário: