sábado, 8 de março de 2014

Fichamento: Dworkin, Ronald. Levando os direitos a sério. Introdução e Cap. 1: Teoria do Direito.



1.     Introdução
Trata-se, na primeira parte, de uma análise da teoria sobre o que é o direito, sobre as condições necessárias e suficientes para a verdade de uma proposição jurídica. “Esta é a teoria do positivismo jurídico, que sustenta que a verdade das proposições jurídicas consiste em fatos a respeito das regras que foram adotadas por instituições sociais específicas” (p. VIII).
Na segunda parte, discorre-se sobre a teoria do utilitarismo, que entende o direito como instrumento a serviço do bem-estar geral, a partir da análise do que o direito deve ser e sobre o modo como as instituições jurídicas que nos são familiares deveriam comportar-se.
“Uma teoria geral do direito deve ser ao mesmo tempo normativa e conceitual” (p. VIII). Pela perspectiva normativa, deve conter uma teoria da legislação, da decisão judicial e da observância da lei.
A primeira, “deve conter uma teoria da legitimidade de que descreva as circunstâncias nas quais um indivíduo ou um grupo particular está autorizado a fazer leis, e uma teoria justiça legislativa, que descreve o tipo de leis que estão autorizados ou obrigados a fazer”(p. IX).
 A segunda, deve ter uma teoria da controvérsia, que disponha sobre os padrões que os juízes devem utilizar para decidir casos difíceis, e uma teoria da jurisdição, que explique por que e quando os juízes devem tomar as decisões conforme a teoria da controvérsia.
A terceira, por fim, “deve discutir e distinguir dois papéis. Deve conter uma teoria do respeito à lei, que discuta a natureza e os limites do dever do cidadão de obedecer à lei, tal como esta de apresenta nas diferentes formas do Estado e em diferentes circunstâncias, bem como uma teoria da execução da lei que identifique os objetivos da aplicação e da punição e descreva como os representantes públicos devem reagir às diferentes categorias de crimes e infrações” (p. IX).
Bentham, segundo Dworkin, foi o último filósofo da corrente anglo-americana a propor uma teoria do direito que é geral conforme acima descrito. O positivismo jurídico, a parte conceitual de sua teoria, foi bastante aperfeiçoada. A versão mais influente, inclusive, foi proposta por Hart. Quanto à parte normativa, vê-se o seu aprimoramento através do uso da análise econômica na teoria do direito, que supõe que todas as instituições jurídicas compõem um sistema cujo objetivo geral é a promoção do mais elevado bem-estar médio dos indivíduos que integram uma comunidade.
“O positivismo jurídico rejeita a ideia de que os direitos jurídicos possam preexistir a qualquer forma de legislação” (p. XIV).
Tanto o positivismo jurídico como o utilitarismo econômico é contestado por diversas formas de coletivismo, haja vista o seu caráter individualista e racionalista. Alguns desses críticos representam o que é frequentemente chamado de “esquerda”. Conforme Dworkin, “estes acreditam que o formalismo do positivismo jurídico força os tribunais a substituir uma justiça substantiva mais densa, que solaparia políticas sociais conservadoras, por uma concepção fraca de justiça processual, que as promoveria. Acreditam que o utilitarismo econômico é injusto nas suas consequências, porque perpetua a pobreza como um instrumento para a eficiência, e deficiente na sua teoria da natureza humana, porque concebe os indivíduos como átomos auto-interessados da sociedade, em vez de seres inerentemente sociais, cujo sentido de comunidade é uma parte essencial de seu próprio sentido de identidade” (p. XIII).
A “direita”, por seu turno, defendem que o verdadeiro direito de uma comunidade é constituído não somente pelas decisões deliberadas, mas também pela moral costumeira difusa. “As regras mais apropriadas para promover o bem-estar de uma comunidade emergem apenas da experiência dessa mesma comunidade” (p. XIII).
Nenhuma dessas teorias, todavia, critica a teoria dominante por esta rejeitar a ideia de que os indivíduos possam ter direitos contra o Estado, anteriores aos direitos criados através de legislação explícita.


2.     Teoria do direito
Considerando os problemas não solucionados pela técnica jurídica, tais como os relacionados à ética e às perplexidades conceituais, segundo Dworkin, essas questões recalcitrantes são chamadas de “relativas à teoria do direito” (p. 3).
Nessa perspectiva, indaga-se se “os juízes sempre seguem regras, mesmo em casos difíceis e controversos, ou algumas vezes eles criam novas regras e as aplicam retroativamente”? (p. 8). De acordo com Dworkin, em casos dramáticos a Suprema Corte apresenta razões conforme princípios de justiça e política pública em detrimento de leis escritas.  “Isso significa que, em última instância, a Corte está seguindo regras, embora de natureza mais geral e abstrata? Se for assim, de onde provêm essas regras abstratas e o que as torna válidas? Ou isto significa que a Corte está decidindo o caso de acordo com suas próprias crenças morais e políticas?” (p. 8).
A partir desse grande poder político dos juízes, até que ponto é válida a justificação para uso desse poder? Isso tem efeitos não somente quanto a extensão da autoridade judicial, mas também à extensão da obrigação moral e política do indivíduo de obedecer à lei criada pelo juiz.
“A teoria do direito deveria responder a essa preocupação explorando a natureza da argumentação moral, tentando esclarecer o princípio da equidade que os críticos têm em mente, para ver se a prática judicial satisfaz realmente esse princípio” (p.9).
As divergências das decisões dos juízes, que refletem a sua formação e o seu temperamento, colocam em questão se “os juízes divergem no tocante à natureza e ao núcleo dos princípios jurídicos fundamentais ou se isso demonstra que não existem tais princípios” (p. 10).
“(...) os problemas de teoria do direito são, no fundo, problemas relativos a princípios morais e não a estratégias ou fatos jurídicos” (p. 12).
“Hart e Sachs sugeriram que as questões conceituais a respeito de regras poderiam ser contornadas se o problema fosse colocado da seguinte maneira: como deveriam os juízes chegar às suas decisões a fim de atender da melhor maneira possível os objetivos do processo judicial?” (p. 11)
Há, contudo, grande falha nas correntes de abordagem profissional da teoria do direito, pois os problemas são, no fundo, relativos a princípios morais e não a estratégias ou fatos jurídicos. “Enterraram esses problemas ao insistir na abordagem jurídica convencional. Mas, para ser bem-sucedida, a teoria do direito deve trazer à luz esses problemas e enfrentá-los como problemas de teoria moral” (p.12).
Essa discussão possui grande repercussão na área penal. Discute-se, em face do procedimento penal, acerca das defesas com base no estado mental. Em auxílio à posição liberal, Hart defende a ênfase em princípios morais que agem como constrangimentos sobre o direito, em lugar de citar os objetivos conflitantes do direito. “O argumento deveria concentrar-se em doutrinas jurídicas que estão assentadas em nossas tradições...” (p. 21).
Hart não se contenta em explicar o direito mostrando como ele incorpora os juízos morais do homem comum. “Considera esse tipo de análise como uma preliminar necessária para a avaliação crítica tanto do direito como da moralidade popular sobre a qual aquele se assenta. Enquanto não tivermos clareza sobre que juízo ou prática moral o direito reflete, não poderíamos criticá-lo de forma inteligente” (p. 13).

sábado, 6 de abril de 2013

Ei, avante!

Dando continuidade à postagem anterior, gostaria de fazer agora um pequeno apontamento sobre essa ideia de futuro.

Após tanto tempo sem acessar ao enDireiTando percebo que realmente o futuro é agora. O que poderemos mudar amanhã já é resultado do que estamos fazendo hoje para tanto. Ou seja, não existe um amanhã incondicionado. Logo, é imprescindível que comecemos a fazer algo imediatamente, pois o futuro já está sendo construído.

Parece até aquelas conversas de filmes da década de 80,  aquele lance de viagem no tempo, mas a verdade é essa.

Então não pense que daqui cinco anos vai acontecer isso ou três anos aconteça aquilo de uma hora para outra. É possível? Obviamente. Quem sou eu para prever o incerto? Todavia, não espere que tudo na sua vida vai ser diferente enquanto você se comportar da mesma forma.

Retomada: por onde andei.

Olá! Há quanto tempo! Eu diria mais: anos!

Abandonei o enDireiTando quando a faculdade passou a exigir mais de mim. Tomei posse em um concurso público e acabei esquecendo um pouco das minhas inquietações. Afinal de contas, mesmo querendo discutir os acontecimentos e os entendimentos, a necessidade de dar conta do recado (leia-se trabalho e faculdade) foi imperiosa.

Com isso, os dias foram se passando e a vida continuou a correr veloz.

Tive o privilégio de participar do júri simulado na qualidade de parquet, fui monitora de Direitos Humanos, produzi um artigo acerca da nova lei de prisões (que já não está mais tão nova assim rs), participei de algumas discussões acadêmicas, criei um modesto projeto de extensão, pesquisei sobre a morte e os seus efeitos no mundo jurídico, terminei a tão trabalhosa e instigante monografia e finalmente me formei em 2012.1.

Mas, conforme acontece com praticamente todos os estudantes de direito, a história não parou por aí. Ainda não havia feito a tenebrosa prova da OAB e tive que embarcar nessa nau de passagem obrigatória.

Passei. Não quero me gabar quanto a isto. Só quem já passou pelo exame sabe como é estressante o período de estudos, como é tenso você ter um diploma e não ter habilitação para exercer a profissão, como é horrível a data da prova se aproximando e você não saber ao certo como lidar com tantas peças ao mesmo tempo.

90% de reprovação é suficiente para explicar, resumidamente, como foi essa prova de fogo.

Enfim, depois da tempestade, posso dizer que o alívio de ter passado é maior (acredite se quiser) do que a alegria da aprovação.


Já dei entrada na minha inscrição no quadro de advogados e agora é só esperar para correr para o abraço rs

Sem grandes ilusões, depois a gente conversa melhor sobre isso, essa coisa chamada 'futuro' que está se desenrolando faz tempo. rs

Acho que as inquietações não aceitam mais ficar em stand by.

Abraço.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

De onde vem o direito

Nessas aulas introdutórias ao Direito Processual Penal, o professor nos trouxe uma pergunta capciosa a respeito de fontes do direito, que me intrigou em alguns pontos.

Ele simplesmente perguntou o que era fonte. As respostas foram imediatas. Fonte seria a origem, o local de onde emana o direito, o nascedouro.
Aprofundando melhor o conhecimento geral, respondemos ainda que tais fontes podem ser mediatas e imediatas. A fonte imediata seria a lei. Os costumes, os princípios gerais do direito e a doutrina seriam fontes mediatas.

Nesse raciocínio, o direito teria como fonte a lei. Então a origem do direito seria a própria lei. Será possível que temos então um direito apenas quando surge uma lei para regulá-la? O direito seria decorrência da própria lei ou existiria primeiro um direito que seria regulado por uma lei em seguida?

E quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?

=D

O objetivo da discussão na verdade não é discutir exatamente de onde vem o direito em si, mas sim a impropriedade do termo fonte como local de onde emana o direito. Está mais para um contexto metalinguístico.
Quando falamos então em fontes do direito, não realçamos o mesmo sentido de origem, mas sim de meio. Meio? Isso mesmo. O meio como se exterioriza o direito. A forma pela qual as regras jurídicas se exteriorizam.

Quanto a isso, estamos ok.

Agora, outra coisa que me chamou a atenção foram as respostas prontas de todos, inclusive as minhas.
A apreensão dos conceitos tem sido feita cegamente por nós, acadêmicos.
Tudo bem que o sistema positivista nos induz a isso, mas até que ponto devemos ceder às imposições do sistema?
Por que apenas decorar os termos sem compreendê-los?
Vejo minha geração estudantil, pelo menos no meu contexto acadêmico, muito condicionada ao pensamento solidificado da doutrina. Isso é comum. Tudo bem. Mas sem um  livro de conceitos estabelecidos, a maioria se perde na compreensão das coisas. A meu ver, isso tem ocorrido pela falta de estímulos que temos em pensar, em analisar a realidade.
Como estudantes do direito, temos que sair dessa seara "alienativo-decorebizante" (neologismo meu... hehe) e chegar ao entendimento por nós mesmos. Não que agora tenhamos que sair criando diversas doutrinas e fazendo aquela rave terminológica, mas sim, compreendendo a essência dos termos e institutos valorizando o nosso pensar.

Além das fontes, que não são exatamente fontes, quantos termos não termos absorvido e rezado piamente sem os mesmos corresponderem plenamente ao seu significado?

Fica o alerta.

Um abraço

P.S.: Aproveito essa postagem para agradecer a todos os professores, em especial ao meu professor de Direito Processual Penal, por nos trazer essas indagações reflexivas, que mostram que há essa preocupação em relação às formas como temos apreendido os conteúdos e que tanto contribuem para a nossa formação.

domingo, 22 de agosto de 2010

Hermenêutica e aplicação do direito - Carlos Maximiliano Parte 6

Levando em consideração que o Direito é uma ciência normativa ou finalística, há uma necessidade de se perquirir qual seja o fim, o escopo, o objetivo maior, de determinada regra.  Nesse sentido, deve-se levar em consideração o elemento teológico no ato interpretativo. No entanto, de nada adianta interpretar uma lei visando o simples descobrimento do fim que ela encerra. É imprescindível compreendê-la como um todo, com suas características jurídicas, históricas, sociais, entre outras.
É por esse motivo que em Hermenêutica e Aplicação do Direito, o autor trata também dos fatores sociais, que são tidos em conta desde a época dos antigos romanos, que adaptavam o sentido da letra dos textos às necessidades da vida e às exigências de seu tempo. A sociedade evolui, e o Direito a acompanha.
Carlos Maximiliano ensina que a interpretação varia conforme o ramo do Direito. Caso isso não ocorresse, os erros de interpretação seriam bem mais freqüentes.  Faz ainda algumas considerações específicas quanto às técnicas interpretativas em relação ao Direito Constitucional, Direito Comercial, às leis penais, entre outros.
A interpretação é uma só. Não há uma interpretação no Direito, outra interpretação na Literatura ou na Sociologia. Tampouco há uma interpretação para o Direito Civil ou o Direito do Trabalho. O Direito também é um só. Interpretar é mais que uma mera atividade de decodificação. É uma ferramenta básica de cognição e de compreensão do homem e de suas relações nos mais variada contextos.
A obra se encerra com a “Oração de Despedida do Ministro Carlos Maximiliano”, contendo esta algumas das grandes contribuições do autor para o desenvolvimento e aprimoramento do Direito no Brasil. Por meio disso, passamos a ter um maior conhecimento acerca de alguns dados biográficos de Maximiliano, e, sem dúvidas, passamos a nutrir respeito e admiração por sua figura respeitosa, de considerável reconhecimento em todo o cenário jurídico nacional.

Hermenêutica e aplicação do direito - Carlos Maximiliano Parte 5

Apesar de destacar que ‘a interpretação é uma só’, Carlos Maximiliano divide-a conforme o órgão de que procede, para fins de melhor aplicação, em interpretação autêntica, que se origina em uma fonte jurídica, tendo então força coativa; e em interpretação doutrinal, aquela que se apresenta como um produto da livre indagação. Continua dissertando acerca dos processos interpretativos: gramatical, ou melhor, filológico; e o lógico, subdividido este em lógico propriamente dito, e social, ou sociológico. Tal posicionamento se revela bem atinente às idéias de Schleiermacher e de Dilthey, que entende a Hermenêutica como um corpo geral de princípios metodológicos que subjazem à interpretação. A Hermenêutica, contudo, ‘não serve como metodologia ou como auxiliar de metodologias dos estudos humanísticos’. Ela vai bem mais além do que isso. A Hermenêutica bem pode ocorrer na prática por remover os obstáculos em relação à compreensão da palavra evento. O foco maior, porém, não é esse, mas sim a interconexão da linguagem com o pensamento e com a realidade, a preocupação com o homem na sua cotidianialidade. 
Conforme Maximiliano, supõe-se que na lei, repositório, tratado ou sistema jurídico não existem disposições contraditórias sobre o mesmo objeto. Quando o intérprete descobrir alguma contradição, deve se inspirar em alguns preceitos diretores doutrinários, como por exemplo, quando há um antinomia entre uma regra geral e uma específica, esta tem a supremacia; ou então quando uma regra é principal e a outra acessória, prevalece a principal.
Temos aí mais uma sequência de procedimentos para aplicar um dispositivo. Tais métodos possuem na maioria das vezes algum brocardo jurídico como correspondente. Por exemplo: “in toto jure generi per speciem derogatur, et illud potissimum habetur quod ad speciem directum est – em toda disposição do Direito, o gênero é derrogado pela espécie, e considera-se de importância preponderante o que respeita diretamente à espécie” (p. 111).
Afirmações doutrinárias, contudo, não devem ser acatadas imediatamente, sem nenhuma análise, pois o dogma é um verdadeiro opressor do conhecimento, da compreensão e da aplicação da justiça. O que se foi perpetuando como certo há séculos, hodiernamente pode não ter a mesma conotação, até porque a sociedade não se estagnou, muito menos o Direito. Limitar-se a seguir fórmulas e padrões para resolver conflitos é uma maneira infrutífera de solucionar os mesmos.  Dogmatiza-se a mente do indivíduo de tal forma que sobrevindo um caso que se distoe bastante dos demais, o intérprete não conseguirá desempenhar adequadamente o seu papel. A atividade do intérprete não deve ser simplesmente a mera repetição do que foi convencionado por alguém em um determinado contexto. Por mais que em muito se assemelhem as situações, cada caso concreto é diferente. Não seria justa uma análise superficial do mesmo como se este fosse igual a outro. Ao intérprete cabe empregar a compreensão no fenômeno da vida. E a esta é com certeza algo bem particular de cada ser humano, insuscetível de generalizações dogmáticas. Ressalta-se, contudo, que não se pode também condenar todo tipo de tradição, como se esta pudesse ser considerada uma folha passível de ser rasgada do livro da vida, pois a tradição, querendo ou não, faz parte de todo nosso contexto histórico, nos influencia na nossa pré-compreensão, nos nossos pré-conceitos. Deve-se levá-la em conta, desde que de maneira consciente, com espírito de compreensão e não de alienação e descomprometimento com a dinamicidade da vida.
Quando lidamos diretamente com a interpretação no Direito, devem ser considerados vários elementos que auxiliam o intérprete e ao mesmo tempo influenciam na sua compreensão. A saber: o elemento histórico, o teológico, os fatores sociais, a apreciação do resultado, a equidade, a jurisprudência, o costume, a ciência, analogia, os diversos tipos de leis, os brocardos e os princípios gerais do Direito.
Quanto ao elemento histórico é importante salientar a sua importância no nosso estudo. Acertadamente o autor apregoa que “o Direito não se inventa; é um produto lento da evolução, adaptado ao meio; com acompanhar o desenvolvimento desta, descobrir a origem e as transformações históricas de um instituto, obtém-se alguma luz para o compreender bem”. O elemento histórico, no entanto, não deve ser utilizado excessivamente, como se ele, sozinho, fosse infalível na resolução de todos os conflitos da humanidade. Bem como, ele também não deve ser repudiado. Seria o presente uma mera repetição do passado? Muitos defendem que sim, haja vista que muitos dos erros que o homem comete hoje são os mesmos que se cometeram no passado e que certamente serão cometidos futuramente. Por outro lado, o homem é um ser racional, dotado de discernimento e de capacidade para fazer suas próprias escolhas. Seria um posicionamento muito conformista colocar o homem como um ser inerte, incapaz de realizar transformações concretas. A história não é um simples desencadear de fatos repetitivos. Por isso que não se pode tê-la unicamente como foco. O presente é um leque repleto de possibilidades. Quando o hermeneuta se depara então com os Materiais Legislativos, deve ter em mente que “o legislador é um filho do seu tempo; fala a linguagem do seu século, e assim deve ser encarado e compreendido” (p. 113). Porém deve lembra-se de que a lei não deve ser interpretada simplesmente como se fosse a vontade exclusiva do legislador. 

Hermenêutica e aplicação do direito - Carlos Maximiliano Parte 4

Pelo visto, o autor entende a Hermenêutica como algo que se aplica em relação às leis, no sentido de que quando estudo as leis, procurando por seu sentido, aí estarei usando da Hermenêutica. Quando saio da perspectiva da lei, do que foi escrito, eu recorreria não à Hermenêutica, mas aos costumes.
A Hermenêutica, porém, não é tão limitada, a ponto de ficar encerrada em um conjunto de leis, como se a solução de determinado conflito pudesse ser encontrada pela simples análise do texto legal. Participa, na verdade, de um processo dialético na fusão de horizontes, o que possibilita encontrar a verdade. É uma exploração filosófica das características e dos requisitos necessários a toda a compreensão. Não é simplesmente o que o legislador ali colocou em um determinado contexto, mas uma ampliação de tudo isso e uma análise bem mais profunda, de modo que sejam levados em conta outros contextos, outras dimensões. Segundo Heidegger, ‘a própria filosofia é (ou devia ser) hermenêutica. Estaria a filosofia limitada a algo colocado em um determinado contexto, de forma imutável? Não.
Essa visão da Hermenêutica trabalhada por Maximiliano aborda, ainda que de forma sutil, um contexto realista, no qual a realidade que predomina é aquela construída por alguns juízes por meio de teorias para resolver os problemas da vida. Pelo que foi analisado até então, o autor demonstra seguir o pensamento da escola objetivista, só que ainda um pouco apegado ao tradicionalismo clássico. Ambos não são tão díspares, porém, também não se confundem como se fossem uniformes.
Na perspectiva da Livre Indagação, surge na Europa, em 1906, uma ampliação radical daquilo pregado pelo Direito Livre. Armínio Kantorowicz defende uma liberdade ampla ao juiz, relativamente criadora, em falta de disposição escrita ou constumeira, sendo que o magistrado deveria buscar o ideal jurídico onde quer que se o mesmo o encontrasse, ‘dentro ou fora da lei, na ausência desta ou- a despeito da mesma, isto é, a decidir proeter e também contra legem’. Procurando ser mais direto ao ponto, Carlos Maximiliando diz que a proposta de Kantorowicz seria algo como:                          
                                       “ não se preocupe com os textos; despreze qualquer interpretação,   
                                        construção, ficção ou analogia; inspire-se, de preferência, nos da-
                                        dos sociológicos e siga o determinismo dos fenômenos, atenha-se
                                        à observação e à experiência, tome como guias os ditames imedia-
                                        tos do seu sentimento, do seu tato profissional, da sua consciência
                                        jurídica” (pag. 60).


O autor nos conta ainda sobre Magnaud, conhecido como o “Bom Juiz”, que escrevia as sentenças segundo suas ideologias sociais e morais, sem se preocupar com a lei. Em relação a isso, diz que “ao invés do movimento subjetivo, deve prevalecer o instinto social”.  Este instinto levaria ao Estado a punir aquele que se mostrasse perigoso para a comunidade. O juiz, então, não sendo guiado por sentimentalismos, deveria atribuir uma pena a esse indivíduo, cabendo assim, à judicatura, manter o equilíbrio de interesses. Tal postura, segundo Carlos Maximiliano (pag. 69), “funde os dados econômicos e os eminentemente sociais a fim de assegurar o progresso dentro da ordem, a marcha evolutiva da coletividade, mantidas as condições jurídicas da coexistência humana”. Essa perspectiva da aplicação do direito nos faz lembrar muito do que se discute, especialmente pelas idéias de Karl Marx, sobre o fato de o Direito ser um instrumento de manutenção da ordem social estabelecida por poucos para a dominação da maioria, seria um status quo da concentração de riquezas e do poder.
Se analisarmos um pouco mais esse ‘instinto social’ que é aludido em Hermenêutica e Aplicação do Direito, veremos que de certo modo esse instinto social não tem sido de notória efetividade na sociedade (olhando sob o ponto de vista punitivo da coletividade em relação àqueles que a agridem). O clamor social é impresso todos os dias nas folhas dos jornais, é publicado na internet, transmitido pelas emissoras de rádio e televisão, de forma tão freqüente que já não se assusta tanto ao se ouvir notícias de impunidade, corrupção e violência. O instinto social, então, não tem recebido adequadamente as respostas do Estado. Aí vemos que esse ‘equilíbrio de interesses’ ainda não saiu do plano mitológico para a concretização na realidade.
O autor questiona o ‘sentimentalismo’, mas será mesmo que a prevalência do instinto social garante a fusão por ele mencionada, de modo a ser uma “marcha evolutiva da coletividade”? O que vemos é que, pelo menos até agora, principalmente após a propagação das idéias liberais, o que tem prevalecido é um instinto individual.  Além disso, quando se trata de ‘sentimentalismo’, por mais impessoal que possa procurar ser um juiz, ele sempre será um indivíduo situado em um determinado espaço, em uma determinada época, que terá uma vida permeada pela influência de fatores externos (como a política, a economia, a sociedade) e internos (como os valores, crenças, descrenças), ainda que queira ser insuscetível a todos eles.  Isso faz o juiz ter algum sentimento em relação à vida. De certo modo, essa busca pela justiça social, pela solidariedade, influencia o magistrado. Conforme cita Carlos Maximiliano: “o juiz, embora se não deixe arrastar pelo sentimento, adapta o texto à vida real e faz do Direito o que ele deve ser, uma condição da coexistência humana, um auxiliar da idéia (...) da solidariedade social”. Não convém, contudo, que o intérprete de revista de seus sentimentos, impulsos e preconceitos na resolução dos conflitos, mas sim que esteja sempre analisando suas idéias, de modo que estas não se inclinem mais de um lado do que para o outro, desequilibrando a balança da justiça.