domingo, 22 de agosto de 2010

Hermenêutica e aplicação do direito - Carlos Maximiliano Parte 4

Pelo visto, o autor entende a Hermenêutica como algo que se aplica em relação às leis, no sentido de que quando estudo as leis, procurando por seu sentido, aí estarei usando da Hermenêutica. Quando saio da perspectiva da lei, do que foi escrito, eu recorreria não à Hermenêutica, mas aos costumes.
A Hermenêutica, porém, não é tão limitada, a ponto de ficar encerrada em um conjunto de leis, como se a solução de determinado conflito pudesse ser encontrada pela simples análise do texto legal. Participa, na verdade, de um processo dialético na fusão de horizontes, o que possibilita encontrar a verdade. É uma exploração filosófica das características e dos requisitos necessários a toda a compreensão. Não é simplesmente o que o legislador ali colocou em um determinado contexto, mas uma ampliação de tudo isso e uma análise bem mais profunda, de modo que sejam levados em conta outros contextos, outras dimensões. Segundo Heidegger, ‘a própria filosofia é (ou devia ser) hermenêutica. Estaria a filosofia limitada a algo colocado em um determinado contexto, de forma imutável? Não.
Essa visão da Hermenêutica trabalhada por Maximiliano aborda, ainda que de forma sutil, um contexto realista, no qual a realidade que predomina é aquela construída por alguns juízes por meio de teorias para resolver os problemas da vida. Pelo que foi analisado até então, o autor demonstra seguir o pensamento da escola objetivista, só que ainda um pouco apegado ao tradicionalismo clássico. Ambos não são tão díspares, porém, também não se confundem como se fossem uniformes.
Na perspectiva da Livre Indagação, surge na Europa, em 1906, uma ampliação radical daquilo pregado pelo Direito Livre. Armínio Kantorowicz defende uma liberdade ampla ao juiz, relativamente criadora, em falta de disposição escrita ou constumeira, sendo que o magistrado deveria buscar o ideal jurídico onde quer que se o mesmo o encontrasse, ‘dentro ou fora da lei, na ausência desta ou- a despeito da mesma, isto é, a decidir proeter e também contra legem’. Procurando ser mais direto ao ponto, Carlos Maximiliando diz que a proposta de Kantorowicz seria algo como:                          
                                       “ não se preocupe com os textos; despreze qualquer interpretação,   
                                        construção, ficção ou analogia; inspire-se, de preferência, nos da-
                                        dos sociológicos e siga o determinismo dos fenômenos, atenha-se
                                        à observação e à experiência, tome como guias os ditames imedia-
                                        tos do seu sentimento, do seu tato profissional, da sua consciência
                                        jurídica” (pag. 60).


O autor nos conta ainda sobre Magnaud, conhecido como o “Bom Juiz”, que escrevia as sentenças segundo suas ideologias sociais e morais, sem se preocupar com a lei. Em relação a isso, diz que “ao invés do movimento subjetivo, deve prevalecer o instinto social”.  Este instinto levaria ao Estado a punir aquele que se mostrasse perigoso para a comunidade. O juiz, então, não sendo guiado por sentimentalismos, deveria atribuir uma pena a esse indivíduo, cabendo assim, à judicatura, manter o equilíbrio de interesses. Tal postura, segundo Carlos Maximiliano (pag. 69), “funde os dados econômicos e os eminentemente sociais a fim de assegurar o progresso dentro da ordem, a marcha evolutiva da coletividade, mantidas as condições jurídicas da coexistência humana”. Essa perspectiva da aplicação do direito nos faz lembrar muito do que se discute, especialmente pelas idéias de Karl Marx, sobre o fato de o Direito ser um instrumento de manutenção da ordem social estabelecida por poucos para a dominação da maioria, seria um status quo da concentração de riquezas e do poder.
Se analisarmos um pouco mais esse ‘instinto social’ que é aludido em Hermenêutica e Aplicação do Direito, veremos que de certo modo esse instinto social não tem sido de notória efetividade na sociedade (olhando sob o ponto de vista punitivo da coletividade em relação àqueles que a agridem). O clamor social é impresso todos os dias nas folhas dos jornais, é publicado na internet, transmitido pelas emissoras de rádio e televisão, de forma tão freqüente que já não se assusta tanto ao se ouvir notícias de impunidade, corrupção e violência. O instinto social, então, não tem recebido adequadamente as respostas do Estado. Aí vemos que esse ‘equilíbrio de interesses’ ainda não saiu do plano mitológico para a concretização na realidade.
O autor questiona o ‘sentimentalismo’, mas será mesmo que a prevalência do instinto social garante a fusão por ele mencionada, de modo a ser uma “marcha evolutiva da coletividade”? O que vemos é que, pelo menos até agora, principalmente após a propagação das idéias liberais, o que tem prevalecido é um instinto individual.  Além disso, quando se trata de ‘sentimentalismo’, por mais impessoal que possa procurar ser um juiz, ele sempre será um indivíduo situado em um determinado espaço, em uma determinada época, que terá uma vida permeada pela influência de fatores externos (como a política, a economia, a sociedade) e internos (como os valores, crenças, descrenças), ainda que queira ser insuscetível a todos eles.  Isso faz o juiz ter algum sentimento em relação à vida. De certo modo, essa busca pela justiça social, pela solidariedade, influencia o magistrado. Conforme cita Carlos Maximiliano: “o juiz, embora se não deixe arrastar pelo sentimento, adapta o texto à vida real e faz do Direito o que ele deve ser, uma condição da coexistência humana, um auxiliar da idéia (...) da solidariedade social”. Não convém, contudo, que o intérprete de revista de seus sentimentos, impulsos e preconceitos na resolução dos conflitos, mas sim que esteja sempre analisando suas idéias, de modo que estas não se inclinem mais de um lado do que para o outro, desequilibrando a balança da justiça.

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